terça-feira, 19 de maio de 2009

Mercados de fé

A última página da revista "The Economist" traz semanalmente uma tabela com as variações dos índices de quase todas as Bolsas de Valores do mundo. É muito interessante observar o comportamento desses mercados em 2009.
Praticamente todos os emergentes mostram uma recuperação extraordinária, com altas de 30% no Brasil, 57% na Rússia, 46% na China e 24% na Índia. Em contraste, as Bolsas de Valores dos países mais ricos, como Estados Unidos, Reino Unido, Franca e Alemanha, apresentam queda quando se comparam os índices da semana passada (13/5) com os de 31 de dezembro. Só Japão e Canadá têm ligeiras recuperações.
O que isso significa? Para qualquer observador, indica que os mercados estão acreditando que o mundo emergente vai sair da atual crise antes do desenvolvido. Enquanto os mercados dos países ricos continuam praticamente no mesmo nível do fim de 2008, ano em que as Bolsas caíram de 30% a 50%, os dos emergentes já recuperaram uma boa parte das perdas desastrosas do ano passado.
Cito esses números para comentar o que parece ser o hobby do momento na área econômica: fazer previsões sobre quando a economia mundial vai iniciar o novo ciclo de expansão sustentada. Nouriel Roubini, o economista conhecido como Dr. Apocalipse, que previu a derrocada do sistema financeiro americano, segundo a revista "Exame", impôs-se esse desafio.
Três economistas ganhadores do Prêmio Nobel, a convite da revista, também se dedicaram a essa futurologia, e suas previsões não foram nada animadoras. Joseph Stiglitz disse que a tempestade está "apenas no começo" e previu que os EUA perderão uma década de crescimento, como ocorreu no Japão nos anos 90. Edward Prescott também previu novas dificuldades, e Robert Mundell disse que a recuperação vai depender de uma redução mais forte de impostos nos EUA, o que não parece ser a intenção do governo Obama.
Tudo bem, os professores laureados com o Nobel merecem crédito. Mas eles parecem terroristas demais. É impossível saber se saímos ou não do fundo do poço. Mas são claros os sinais de que, em muitos países, a economia parou de afundar, o que já dá um certo alívio. Para quem acredita na velha mão invisível dos mercados, basta observar para onde ela acena.
No Brasil, a sensação inequívoca é que a recuperação depende fundamentalmente do mercado interno. Com a valorização do real das últimas duas semanas e a ameaça de o dólar cair abaixo de R$ 2, exportadores de manufaturados vão perdendo munição. No curto e no médio prazo, não há como esperar milagres no mercado externo.
Não temos aqui, porém, nenhuma crise bancária, como nos EUA. O sistema está intacto, capitalizado e pode voltar a financiar a economia em bases civilizadas. A chance brasileira, portanto, é apostar de forma obstinada e até doentia no estímulo ao mercado interno. É preciso ser inflexível nessa pregação. O caminho é desonerar e financiar a produção, oferecer crédito ao consumidor e baixar juros.
A crise, felizmente, a despeito da redução já ocorrida no número de empregos, até agora não deixou sequelas graves na sociedade brasileira. O país ainda tem a oportunidade de sair dela mais forte do que antes. Até porque, como mostram os índices, os mercados acreditam nisso.
BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Fonte: Folha de São Paulo

Nenhum comentário: